O maior impacto das tecnologias inteligentes não será sentido com a eliminação de empregos, mas com a mudança no que as pessoas fazem e no alcance da inovação nas empresas
A adoção cuidadosa de tecnologias inteligentes será essencial para a sobrevivência de muitas empresas. Implantar simplesmente novas tecnologias e ferramentas de automação não será suficiente. O sucesso dependerá de as organizações as aplicarem na inovação de operações, produtos e serviços, e também de poderem contar com o capital humano para levar isso adiante.
Um estudo recente da Deloitte, realizado com 250 executivos familiarizados com a maneira como as tecnologias inteligentes estão sendo consideradas em suas empresas, identificou que quase três dentre quatro entrevistados esperavam que a Inteligência Artificial (IA) transformasse substancialmente suas organizações em três anos.
É evidente que a força de trabalho será profundamente afetada por toda essa mudança. No entanto, mesmo que a IA elimine alguns empregos na próxima década, ela poderá criar tantas posições quanto as que eliminará, além de abrir grandes oportunidades para colaboração entre pessoas e máquinas.
As previsões iniciais de perda de trabalho em larga escala já não prevalecem. Na pesquisa Deloitte, por exemplo, reduzir pessoal por meio da automação foi o objetivo menos apontado: apenas 7% dos entrevistados apontaram-no como prioritário. De fato, muitos observadores estão mudando suas expectativas –de perda de trabalho para mudança no trabalho– conforme se encontram maneiras de se trabalhar mais próximo das máquinas.
A PERGUNTA-CHAVE
Como as empresas podem usar tecnologias inteligentes para inovar?
• Redesenhando tarefas e funções para facilitar a cooperação entre pessoas e máquinas no trabalho.
• Automatizando produtos, processo e modelos de negócios para contribuir com as necessidades dos usuários.
• Integrando tecnologias inteligentes a suas organizações.
Assim, muitas organizações precisam compreender as novas capacidades exigidas. Em um estudo recente da McKinsey, conduzido com executivos de companhias com faturamento acima de US$ 100 milhões, 66% deles disseram que “dar tratamento a potenciais lacunas de capacidade ligadas à automação/digitalização” em seu pessoal estava entre as dez prioridades. Dos entrevistados norte-americanos, 64% disseram que precisavam retreinar ou substituir pelo menos um quarto de sua atual força de trabalho. Entre os europeus, esse índice subiu para 70%.
É significativo que apenas 16% dos líderes de empresas afirmassem estar “muito preparados” para lidar com lacunas de capacidade, o que levanta sérias questões sobre a capacidade de competir.
Outros estudos recentes sugerem que as altas expectativas que os executivos têm sobre as tecnologias inteligentes excedem suas capacidades e experiências para integrar tais tecnologias às companhias.
Apesar de termos observado e trabalhado com muitas grandes empresas e startups em questões relacionadas à IA, conhecemos bem poucas que iniciaram o redesenho de funções ou programas de recapacitação ou retreinamento significativos.
Além disso, a maioria das pessoas não está sendo adequadamente capacitada para o trabalho automatizado. As organizações inteligentes darão passos não apenas no sentido de adotar tecnologias inteligentes, mas também de recrutar e retreinar pessoas para funções especializadas, redefinir tarefas e trabalho e usar a IA para viabilizar a inovação em produtos, processos e modelos de negócios dentro do que chamamos “inovação baseada em automação inteligente”.
Já podemos ver lugares onde grandes avanços em tecnologia estão sendo prejudicados por atenção insuficiente à integração e ao capital humano. Os médicos cirurgiões, por exemplo, cada vez mais usam a robótica –que propicia melhor visão, incisões mais precisas e suturas mais bem feitas. Porém, poucos hospitais e faculdades de medicina desenvolveram abordagens efetivas para treinar os médicos.
Apesar de o potencial para a inovação baseada em IA existir em praticamente todo aspecto dos negócios e da sociedade, ele não é realizado. Como muitas das novas tecnologias de IA estão aparecendo só agora ou estarão disponíveis no futuro próximo, as organizações não têm tempo a perder planejando-as ou criando inovações em design do trabalho que façam frente às inovações tecnológicas.
O ESPECTRO DA AUTOMAÇÃO INTELIGENTE
Quando as tecnologias inteligentes apoiam as pessoas, permitindo que façam seu trabalho com mais eficiência, trata-se, de fato, de ferramentas, e não de automação. Um bom exemplo é o motorista de táxi que usa GPS para obter instruções sobre caminhos.
A automação vai um passo adiante: permite que tarefas ou processos sejam realizados sem a assistência ou a participação humana, mas os humanos podem supervisionar o trabalho ou realizar tarefas adjacentes ou complementares. Por exemplo, sistemas de diagnóstico inteligentes podem ler imagens de Raio-X, mas os radiologistas têm de definir a imagem a ser obtida, relacionar a imagem a outros registros médicos e exames, discutir resultados com os pacientes e desempenhar outras atividades.
Ainda que as primeiras aplicações envolvessem tarefas cognitivas manuais e sistemáticas (estruturadas e repetitivas), estamos caminhando na direção de tarefas cognitivas não sistemáticas que incluam a criatividade e a variabilidade do trabalho, as quais, até recentemente, pareciam estar além do escopo da automação. E estamos cada vez mais adicionando autonomia a produtos e serviços. (Veja quadro na pág. Xx).
De fato, estamos começando a ver sistemas autônomos que dispensam envolvimento humano, como as transações financeiras automatizadas que dependem inteiramente de algoritmos e tarefas em linhas de produção.
Em 2015, a chinesa Changying Precision Technology substituiu 90% de seus funcionários em uma das fábricas de smatphones por robôs, o que resultou em aumento de volume de produção para mais do que o dobro e um corte em defeitos de mais de 80%.
Por outro lado, a Amazon empregou mais de 300 mil pessoas desde que adquiriu a Kiva Systems, uma fabricante de robôs para armazéns, em 2018. Segundo um funcionário que monitora essas máquinas, “é a coisa mais desafiadora que temos aqui. Não é repetitivo”.
Muitos acreditam que é apenas questão de tempo antes que sistemas complexos sejam capazes de operar sozinhos em ambientes não estruturados e dinâmicos. Por exemplo, em dois ou três anos, teremos veículos autodirigíveis operando em áreas limitadas ou em circunstâncias especiais. Por volta de 2030, talvez tenhamos veículos que operem sem qualquer intervenção humana.
Ademais, existe a crescente possibilidade de que venhamos a ter máquinas que possam operar de acordo com seus próprios objetivos. Exemplo próximo e assustador são as armas autônomas, que poderão decidir onde, quando e contra quem usarão seu poder destruidor. Esse é o lado “monstro” de Mr. Hyde. Mas também veremos o lado Dr. Jekyll, que poderá tornar nossa vida melhor.
MENTES TRABALHANDO COM MÁQUINAS
A inovação baseada em IA vai provocar uma avalanche de produtos aperfeiçoados ou inteiramente novos. A competição homem versus máquina no xadrez ilustra como precisaremos sempre mudar nossos papéis relativamente às máquinas inteligentes.
O computador Deep Blue, da IBM, jogou contra o campeão mundial Garry Kasparov em 2007 e tornou-se a primeira máquina a vencer o homem em uma rodada de seis jogos. Com isso, as pessoas puderam melhorar suas habilidades no xadrez jogando contra do Deep Blue, mas não aprendiam coisas novas.
Agora, os programas de xadrez chegaram a um ponto em que muitos mestres no jogo os usam para aperfeiçoar-se. Ao final de 2017, o software AlphaZero, da DeepMind, aprendeu a jogar xadrez somente com base em seu conhecimento das regras. Em menos de um dia jogando contra si mesmo, o AlphaZero aprendeu o suficiente para vencer o Stockfish, o programa líder de xadrez até então. Os especialistas da modalidade se surpreendem com o fato de o AlphaZero ter aprendido estratégias que vão além do modo como humanos jogam.
Os humanos ensinaram o Deep Blue a jogar, mas o AlphaZero desenvolveu sua própria abordagem, com a qual as pessoas podem aprender. Tais desafios surgirão no ambiente de trabalho também. Esse processo não será espontâneo, mas sim induzido por companhias que inovam com base em tecnologias inteligentes.
Mas a implantação das mudanças consumirá tempo. As empresas precisarão colocar tanto a adoção de tecnologias como o desenvolvimento das pessoas no centro de sua estratégia de inovação.
Vislumbramos quatro cenários básicos em organizações com as quais trabalhamos:
1. Investimento mínimo em automação e pessoas, com adiamento de decisões cruciais para permitir a mudança. Tal relutância levará à perda de competitividade e de sustentabilidade do negócio, que terá custos mais altos de mão de obra do que os concorrentes, menos produtos e serviços inteligentes e níveis mais baixos de serviço ao cliente.
2. Alto investimento em automação, mas pouco em capital humano, esperando-se que a tecnologia traga, por si, a transformação. Os chatbots, por exemplo, que muitos usam para realizar tarefas relativamente simples de atendimento ao cliente, podem significar sinergia, desde que os papéis humanos ou os processos sejam repensados e que se ajude as pessoas a aprender a trabalhar com a tecnologia.
3. Mudanças incrementais em funções e habilidades com pouco investimento em tecnologias inteligentes. Isso aumenta o risco de perder em produtividade e qualidade para os concorrentes e também o de perder ou não conseguir contratar bons trabalhadores do conhecimento. Há, é claro, ambientes específicos em que a ênfase em pessoas é privilegiada, como em certos restaurantes e no varejo de luxo.
4. Investimento significativo tanto em inovação de tecnologia inteligente como de capital humano. Isso leva à criação de produtos, processos, serviços e modelos de negócio inovadores, o que é especialmente vital para empresas que competem em mercados dominados por gigantes globais.
Esse é o caso da GE, que está estudando as necessidades de funcionários e considerando como podem ser sanadas pela tecnologia com o desenvolvimento de sistemas internos, como o de compra de insumos industriais. Os usuários estão sendo treinados para compreender como os modelos funcionam e como podem ser melhorados. A expectativa da empresa é que sistemas de IA sejam capazes de tomar decisões para otimizar entregas e estoques. As pessoas, então, ajustariam os processos e lidariam com os problemas que surgissem.
Apesar do poder da IA e de outras tecnologias, a probabilidade de que substituam gestores e outros profissionais no curto prazo é mínima. Em vez disso, muitos observadores, incluindo Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee, codiretores da MIT Initiative on the Digital Economy, acreditam que a mudança será gradual. Em nossa visão, o desafio para as empresas é encontrar modos de facilitar as tecnologias inteligentes na organização, enquanto definem como tirar vantagem daquilo que humanos inteligentes têm a oferecer.
PENSE ANTES DE AUTOMATIZAR
Não há receita simples para a inovação bem-sucedida baseada em inovação. Contudo, desenvolvemos um conjunto de diretrizes.
1. Comece com educação para gestores. A melhor maneira de começar é treinar os executivos responsáveis por tomar decisões estratégicas sobre tecnologias inteligentes. A ignorância leva, não raro, a dois comportamentos opostos mais igualmente negativos: se os líderes subestimam o potencial das tecnologias, suas empresas perdem oportunidades de se beneficiarem delas; se, por outro lado, superestimam-nas e iniciam projetos que são muito caros e ambiciosos, desperdiçam recursos e talvez até gerem um viés na empresa contra novos projetos.
Uma empresa líder de seguros de vida e propriedade, por exemplo, realizou sessões de um dia inteiro para altos executivos entenderem o que é a IA, como a gerir e o que ela pode significar para funcionários.
2. Crie um road map para iniciativas futuras com tecnologias e pessoas. Como com qualquer projeto, implantar uma iniciativa de automação inteligente requer um esquema que descreva objetivos, recursos necessários e cronograma de implantação. Um bom road map deve ajudar a organização a antecipar benefícios potenciais para além dos óbvios e deve incluir uma estratégia de comunicação, tanto externa como interna, especialmente quando os projetos puderem levar à redução de pessoal.
A espanhola Situm Technologies desenvolveu tecnologia que rastreia pessoas e ativos em instalações como hospitais, aeroportos e fábricas por meio de smartphones. Inicialmente, foi concebida para monitorar pessoal alocado em segurança. Mais adiante, a empresa desenvolveu um road map para outros usos, como, por exemplo, gerir pessoas durante emergências como incêndios. Isso permitiu que a companhia oferecesse soluções que combinassem otimização de recursos humanos com segurança.
3. Foque em projetos de valor imediato e tenha cuidado com iniciativas que sejam ambiciosas demais
Empresas que não têm experiência significativa com IA deveriam focar inicialmente em projetos menos desafiadores que propiciarão ganho de experiência. Projetos muito ambiciosos, como tratar o câncer, prover investidores individuais com recomendações de investimentos detalhadas ou eliminar o motorista em automóveis falharam ou levaram muito mais longe do que os pesquisadores esperavam. Até a Amazon tem desafios com suas lojas Amazon Go e seu projeto de entrega por drones está demorando a emergir.
Combinar vários projetos em uma única área de negócios costuma ter mais probabilidade de atingir resultados importantes do que tentar realizar um único e grande projeto. Na Amazon, o CEO Jeff Bezos diz que grande parte do investimento em machine learning concentra-se no aperfeiçoamento discreto, mas significativo, de operações centrais.
Se o foco estratégico for usar a IA para melhorar a relação com clientes, por exemplo, os projetos componentes podem incluir chatbots ou agentes inteligentes para responder rapidamente questões, machine learning para capturar a voz do cliente, motores de recomendação para apresentar promoções apenas para consumidores que tenham alto interesse etc.
Essa abordagem incremental também cria mais tempo para o redesenho do trabalho e a recapacitação das pessoas, uma vez que cada tarefa apoiada em IA requererá, via de regra, apenas mudanças incrementais no trabalho.
O objetivo deve estar claro: fluxos de trabalho essenciais devem ser esquematizados ou redesenhados, com foco na divisão do trabalho entre humanos e máquinas inteligentes. O intuito será criar um formato de trabalho efetivo, e não apenas a redução de custos.
4. Invista em construir capacidades internas de staff.
Identifique os colaboradores que adotarão a solução e treine a equipe em seu uso. Idealmente, algumas pessoas estarão envolvidas no desenvolvimento de sistemas de IA e poderão ser usuárias líderes de suas primeiras versões. Elas darão retorno sobre o que funciona e o que não funciona. Poderão, ainda, ser parceiras dos departamentos de RH e de aprendizado corporativo para estruturar programas de treinamento.
Para inovar com automação inteligente, você deverá planejar desenvolver seu pessoal, que conhece bem a empresa, em vez de contar com consultores externos.
5. Planeje aperfeiçoamentos ao longo do tempo
A inovação baseada em automação precisa ser contínua, e não episódica. Por exemplo, avanços recentes em geração de linguagem natural permitem às organizações incorporar relatórios orais em seus programas de business intelligence. Essa novidade pode aumentar muito a capacidade de pessoas não especializadas de entender relatórios financeiros e técnicos, o que pode reduzir a necessidade de serviço humano ou baseado em IA.
Os gestores precisam reconhecer que as tecnologias inteligentes penetrarão mais e mais setores e ocupações nos próximos anos. Soluções de negócios baseadas em IA reduzirão custos e incrementarão a produtividade. No entanto, esperamos que o impacto maior seja levar a inovação a camadas mais profundas das empresas e, para que isso ocorra, pessoas e máquinas têm de ser parceiras no processo de inovação.
Investir nessas tecnologias e nos recursos humanos capazes de usá-las, cooperar com elas e inovar com base nelas pode ser oneroso. Deixar de fazê-lo, porém, sairá muito mais caro.